Jennifer Loewenstein (Image by ProMosaik e.V.)
Noam Chomsky e Jeffrey Epstein: O que é que realmente sabemos?
por Jennifer Loewenstein
Introdução de Júlio Marques Mota
O blog A Viagem dos Argonautas publicou o Manifesto contra o cancelamento de Boaventura de Sousa Santos. Hoje publico um texto sobre mais um homem de referência, Noam Chomsky: acerca dele circulam boatos sobre possíveis ilações com as práticas de Epstein, a partir de um encontro seu e da sua mulher com Epstein, Woody Allen e Soon-Yi Previn, e, nesta altura, Chomsky tinha já 88 anos. Hoje tem 97 anos e não se pode defender. Colocar o problema nesta altura e quando não há nada de concreto que se lhe possa atirar à cara a não ser conjeturas é muito difícel de aceitar. Como diz a autora do artigo:
“Finalmente, cabe aqui mencionar que, quando Noam Chomsky e Jeffrey Epstein se encontraram, Chomsky teria cerca de 88 anos de idade. Na verdade, ele completa 97 anos em 7 de dezembro de 2025. O ponto é simplesmente que linchar publicamente um homem de 88 anos por palavras e ações que podem nem ter sido dele [uma carta de recomendação] — e sem o mínimo contexto verificável — é irresponsável, desrespeitoso e altamente inaceitável em termos de ética profissional.
Espero que este breve ensaio traga alguma clareza à questão do alegado ‘relacionamento’ entre Noam Chomsky e Jeffrey Epstein. Espero também que com este ensaio se evite que outros se envolvam em reflexões especulativas sobre a vida de outra pessoa sem estar na posse dos factos.” Fim de citação.
Direi que talvez não se trate de instalar um processo, e sei lá eu!, mas o que podemos perceber é que se trata de difundir rumores, o diz que diz, para manchar a dignidade de um homem intelectualmente de exceção.
Curiosamente, numa troca de correspondência entre estes dois intelectuais de renome, escreveu Noam Chomsky a Boaventura de Sousa Santos:
Eu já tinha ouvido falar sobre essas acusações chocantes e vergonhosas, mas supus que tivessem sido relegadas para o caixote do lixo, que é o lugar onde devem estar. Se houver um documento nos moldes da excelente carta de Seidman-Gordon, ou outro que seja relevante, ficarei muito contente em assiná-lo.
Independentemente disso, admiro imensamente o seu belo trabalho que tem realizado em diversas questões críticas e espero que toda essa baixaria desapareça rapidamente[i]. Fim de citação
O paralelo com o Boaventura de Sousa Santos é imediato. Do lado de quem acusa ou difama, há apenas o diz que diz, do lado de cá, há um historial e registo escrito de circunstâncias em que as pessoas se moviam e, as pessoas, definem-se a partir das suas circunstâncias. De entre as pessoas que acusam Boaventura, vejamos alguns dos registos dessas circunstâncias:
Lieselotte Viaene,
De notar que a primeira e principal autora, Lieselotte Viaene, foi alvo de um processo disciplinar no CES em 2018 por continuado mau comportamento institucional. Quando, apesar disso, no final do seu contrato, solicitou ao CES que fosse instituição de acolhimento para um projecto ERC a que estava a concorrer, tal foi-lhe negado, por essas mesmas razões e com evidente prejuízo financeiro para o CES (os overheads).
Foi mais tarde a Universidade Carlos III, em Madrid, que a acolheu e onde ela levou a cabo o projecto Rivers que (em parte?) resultou neste capítulo. Pelo menos, o capítulo constou como tal no seu CV, até ser retirado pouco depois. Claro que não há no capítulo qualquer referência aos motivos que levaram ao processo disciplinar que foi instaurado à “former post-doctoral researcher”. Sabe-se hoje que Viaene quis ficar no CES por razões que lhe serão próprias, mas que de forma alguma estão na linha das difamações lançadas contra Boaventura de Sousa Santos, e entre as quais seria para estar perto de um investigador, por quem se tinha apaixonado.
Élida Lauris (EL)
O contrato de trabalho exigia que realizasse três tarefas: coordenação financeira, redação de um capítulo e uma introdução ao livro Descolonizando o Constitucionalismo. Durante os mais de dois anos em que recebeu este salário, só completou a primeira tarefa. Acresce a tudo isto que realizou um estágio de três meses nos Estados Unidos (Madison-Wisconsin), financiado pelo Projeto ALICE, para completar as duas tarefas restantes. Mesmo assim, não as completou — não foi obrigada a devolver o dinheiro por incumprimento das suas obrigações contratuais.
Logo a seguir, solicitou o regresso ao ALICE e foi aceite. Abandonou depois o projeto ALICE por vontade própria para ingressar num ministério do governo da presidente Dilma Rousseff do Brasil, ainda com o compromisso de realizar as duas tarefas pendentes. Nunca cumpriu esse compromisso. Em 2016 e 2017, EL continua a enviar mensagens cordiais e colaborativas a BSS, incluindo agradecimentos e links para os seus novos trabalhos.
Aline Mendonça dos Santos (AM)
AM demonstrou interesse em trabalhar sob a orientação de BSS, tendo realizado um estágio de doutoramento no CES (janeiro a agosto de 2008).
BSS convidou AM para integrar o projeto europeu ALICE em 2011, reconhecendo a sua experiência em economia solidária. Durante a sua participação, AM recebeu apoio financeiro para aulas de inglês, viagens e uma bolsa de pós-doutoramento.
Após o fim do projeto ALICE, AM continuou a colaborar com o CES e com BSS, solicitando apoio para eventos e participando em publicações conjuntas. Em 2018, AM foi intermediária para a concessão de um doutoramento honoris causa a BSS pela Universidade Católica de Pelotas, tendo-o acompanhado durante a cerimónia e concedido entrevistas, elogiando-o.
Em 2019, AM fez parte do comité de entrega de outro honoris causa a BSS em Pernambuco e, em 2022, publicou um capítulo no livro Economías del Buen Vivir, co-organizado por BSS e Teresa Cunha (prova 7: Publicação conjunta, Akal, 2022).
Mesmo em 2022 e 2023, AM manteve contacto com BSS, solicitando apoio para projetos conjuntos e muito especialmente o apoio para integrar o governo Lula na área da economia solidária.
Sara Araújo
Na sua tese de doutoramento, concluída após 14 anos de colaboração com BSS, lemos: «Quero agradecer ao professor Boaventura de Sousa Santos pela escola que criou e pelos desafios que constantemente lança e caminhos livres de monotonia que abre. Sempre foi um privilégio fazer parte das suas equipas e ter a oportunidade de aprender e crescer nesse contexto. Agradeço a confiança e as muitas trocas que fazem parte de quem eu sou».
Em comunicações pessoais, SA demonstra uma relação de confiança e respeito, e até pede ajuda pessoal a BSS para tratar a depressão de um amigo íntimo. (prova 3: mensagens de dezembro de 2020, em que SA pede ajuda a BSS para um amigo em crise emocional: “Acho que ele está deprimido e em crise de insegurança em relação à sua tese. Tentei motivá-lo, mas sei que o professor costuma ser excelente a ajudar os alunos a sair dessa situação. Se puder falar com ele, acho que poderá ajudá-lo. Com carinho”).
SA afirmou também nos meios de comunicação que foi rejeitada nos concursos, do CES e da Faculdade de Economia da UC, por ser mulher. No entanto, o que aconteceu foi que ela não foi aprovada à luz dos critérios de seleção vigentes em ambas as instituições, especialmente porque, no plano estritamente científico, o seu currículo estava abaixo do dos demais candidatos, pois, em Fevereiro de 2019, ficou em sétimo lugar num concurso do Programa de Emprego Institucional por unanimidade do júri. O concurso foi ganho por uma mulher.
E por fim temos o pano de fundo ideológico em que todo este processo, do meu ponto de vista, se clarifica, através de um texto de Isabella Gonçalves Miranda, que num texto recente (original aqui) escreve:
“E a história hoje se move de uma academia enclausurada, marcada pela hegemonia do pensamento colonial, racista e patriarcal, para uma academia com mais mulheres, com mais pessoas do Sul Global, mais indígenas, mais pessoas negras, que pensam, escrevem, questionam, se inquietam e se rebelam contra as estruturas acadêmicas opressivas que por muito tempo lhes impuseram barreiras e lhes causaram danos. (…)
A exposição do “Caso Boaventura” não se trata de vingança nem de destruir a imagem pública de alguém. A sequência de relações abusivas de poder narradas pelas denunciantes diz respeito não apenas ao professor, mas sobretudo à forma estrutural como o patriarcado se reproduz no espaço acadêmico. (…)
Debates feministas importantes têm refletido como a academia deve se tornar emancipatória, intercultural e ecológica para as mulheres, em especial migrantes, indígenas, negras, LGBT+. “ Fim de citação
E a exposição de casos poderia continuar que o cenário não mudaria. Perante isto só há uma pergunta a fazer: como é possível que se tenha procedido a um cancelamento de Boaventura e à escala mundial? Quanto ao pano de fundo ideológico que atravessa todo este processo de acusação/difamação, o wokismo, é uma ideologia que não me diz nada, uma ideologia típica de grupos radicais e minoritários da América Latina e USA. Garantidamente não foram as acusantes a conseguir um cancelamento organizado à escala mundial. A pressão para esse cancelamento tinha de vir de cima, de bem mais alto… e veio, como se tem confirmado. E um dos marcos intelectuais de referência é assim abatido sem dó nem piedade.
[i] Agradeço a Boaventura de Sousa Santos o facto de me ter disponibilizado a troca de correspondência havida entre os dois.
— X —
Noam Chomsky e Jeffrey Epstein: O que é que realmente sabemos?
22 de novembro de 2025 (original aqui)
Jennifer Loewenstein
Noam Chomsky
Com a divulgação dos arquivos Epstein, várias pessoas me escreveram a perguntar sobre o suposto relacionamento de Noam Chomsky com o agressor sexual condenado, Jeffrey Epstein. Eu consigo entender isso, uma vez que isso me parece uma conexão muito improvável. O que eu não entendo e não consigo entender é a necessidade de alguns indivíduos de presumir o pior e, em seguida, ir às redes sociais para crucificar Noam, fazer suposições sem provas e, de outra forma, lançar dúvidas sobre quem Noam Chomsky realmente era. Decidi responder não apenas porque Noam foi um amigo pessoal por quase 30 anos, mas também porque ele é incapaz de se defender contra essas acusações – um facto que considero que aumenta a natureza hedionda dos comentários e ataques que surgiram até agora.
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Como nota lateral, gostaria de acrescentar que também tenho visto a alegada ligação entre Chomsky e Epstein a ser utilizada como um pretexto bizarro para lançar críticas mordazes às opiniões políticas de Chomsky, especialmente no que diz respeito a Israel-Palestina. Não pretendo abordar esta questão aqui, embora esteja a considerar um artigo sobre o assunto numa data posterior. Basta dizer que as críticas à sua política que li até agora prestam um enorme mau serviço àquilo em que Chomsky acreditava, ao que ele apoiava ou não, e ao efeito das suas opiniões no movimento geral pelos direitos dos palestinianos.
O que li neste sentido, até à data, mostra uma mistura de desinformação, mentiras descaradas, e o lixo habitual que acompanha o ataque às opiniões políticas de alguém de quem não se gosta. Mais uma vez, gostaria simplesmente de acrescentar que, sem quaisquer factos que as apoiem, este tipo de campanha de difamação pertence ao caixote do lixo das colunas de mexericos, feita por indivíduos não confiáveis, imprudentes e mesquinhos que, aparentemente, não têm nada mais que fazer. Mas estou a desviar-me do assunto.
Em relação à controvérsia Epstein, escrevi a Noam em maio de 2023 sobre isto, porque o seu nome já tinha surgido em ligação com o condenado por tráfico sexual e ele tinha recebido chamadas de personalidades da comunicação social a pedir-lhe que comentasse. Noam Chomsky e a sua família sempre desejaram privacidade e discrição em assuntos pessoais e esta questão não foi diferente. A primeira resposta do Noam a um dos que lhe ligaram foi que ‘não é da vossa conta,’ mas, compreendendo as implicações, ele prosseguiu mencionando alguns factos sobre esta alegada ‘relação’ e foi só isso.
O email do Noam para mim foi o equivalente a um encolher de ombros perplexo. Ele tinha investido algum dinheiro através do Epstein e tinha ido encontrar-se com Woody Allen num jantar. Ele não via o que havia de errado nisso. Esquecemo-nos que, tanto quanto o público em geral sabia naquela época (2007-2017), Epstein tinha sido condenado por 2 delitos menores – uma acusação de solicitação de prostituição e uma acusação de aliciamento de menores para prostituição – e cumpriu a sua pena (13 meses). Isso foi em 2009
Relativamente a estas duas acusações, é importante notar que Epstein nunca foi para a prisão. Ele foi alojado na prisão do Condado de Palm Beach e foi-lhe concedida a liberdade de trabalho (work release), o que significava que, 6 dias por semana, ele podia trabalhar a partir de casa. Ele só voltava para a prisão para dormir. Este ‘acordo favorável’ (‘sweetheart deal’) foi mantido em segredo por mais de um ano das muitas vítimas que, entretanto, se tinham apresentado, vítimas cujas vidas tinham sido inexoravelmente danificadas como resultado das suas experiências com Epstein. Estas vítimas teriam ficado horrorizadas ao saber que nenhuma acusação adicional poderia ser apresentada contra Epstein, que as declarações que haviam feito às autoridades sobre as suas experiências na casa de Epstein — e todas as provas que tinham recolhido coletivamente — tinham sido efetivamente ignoradas por instâncias superiores na Florida e em Washington. As duas acusações pelas quais Epstein cumpriu 13 meses são geralmente consideradas menores. O público em geral não teria sabido quase nada sobre nada disto
Claro, o que isto significava era que a sua rede de tráfico sexual persistia, tal como o comportamento perverso de Epstein. Isto é importante de entender. Em 2007/8, por causa do acordo secreto de não-acusação (NPA) – que foi concedido por figuras como Alexander Acosta e alguns figurões em DC – as suas vítimas acreditaram que nunca veriam ser feita justiça. O acordo era altamente fora do vulgar e suspeito, o tipo de acordo que se obtém se for um bilionário branco e agradável com todas as conexões certas e, como resultado dele e do sigilo em torno das acusações contra ele, quase ninguém sabia sobre ele ou sobre a rede de tráfico sexual que ele e Ghislaine Maxwell tinham então estabelecido. Esta informação é crucial: por causa do NPA e do sigilo que o cercava, a extensão total da rede de tráfico sexual de Epstein só se tornou conhecida em 2018, ou 2-3 anos depois de Noam ter tido qualquer contacto com ele.
Uma jovem, confusa com as informações que estava a ler online sobre Chomsky duas semanas atrás (10-14 de novembro de 2025), escreveu-me perguntando se eu a poderia esclarecer de alguma coisa(o meu nome estava numa das respostas a um texto colocado no X twitter/X). Em vez de reformular o conteúdo, prefiro reproduzi-lo.
Aqui está o que escrevi :
Noam Chomsky nunca teve uma ‘relação pessoal próxima’ com Jeffrey Epstein, nem andava a viajar de aviões particulares com bilionários e elites, como alguns comentários no Twitter estão a sugerir. Chomsky era um workaholic (viciado em trabalho) que raramente passava tempo longe do seu estudo. Raramente saía, nunca tirava férias e, definitivamente, não convivia com as elites. Estes últimos eram as suas pessoas menos favoritas e invariavelmente os alvos das suas críticas mais mordazes. [Recomendo a leitura do ensaio de Chomsky, ‘The Responsibility of Intellectuals’, publicado no New York Review of Books a 23 de fevereiro de 1967.]”
Chomsky investiu dinheiro através de Epstein, cujos serviços financeiros eram utilizados por vários funcionários e professores do MIT. De acordo com uma fonte, Chomsky pode ter sido incentivado a investir com ele porque muitas dessas pessoas alegavam ter-se dado muito bem ao confiar nos conselhos financeiros de Epstein. Num e-mail que me enviou, Chomsky disse que sim, que tinha investido dinheiro com ele – e que era uma quantia relativamente pequena. Seja qual for o caso, durante estes anos (2007-2017), ele e as pessoas à sua volta não saberiam nada sobre a rede de tráfico sexual de Epstein porque, como expliquei anteriormente, foi mantida em segredo do público devido ao NPA, ou acordo de não-acusação (non prosecution agreement), concedido a Epstein em 2008. Esse acordo foi mantido em segredo e muito poucas pessoas souberam dele até depois de 2018.”
Quanto ao jantar de Noam com Epstein, Woody Allen, Soon-Yi Previn, et al., isto foi algo fora do comum para Noam, pois ele muito raramente tirava folgas do seu trabalho para “papear” (ou “socializar”) com alguém. Não sabemos se ele foi a este jantar por insistência de outra pessoa ou por escolha própria. De qualquer forma, Chomsky e a sua esposa, Valeria, voaram com Epstein uma vez, de Boston para Nova Iorque (um voo muito curto) para o jantar. Foi só isso.
Sugere-se, (como Glenn Greenwald escreveu no X) com base nesta informação e numa alegada carta de recomendação escrita por Chomsky, que ele tinha um “carinho óbvio” e uma “intensa amizade” com Epstein, o que é irresponsável e não faz nada além de difamar um homem que 1) escreveu cartas de recomendação calorosas e detalhadas para, literalmente, centenas de pessoas ao longo dos anos, sem conhecer muitas delas a não ser por correspondência de email; e 2) nunca teria publicado um vídeo no YouTube a dissecar a vida privada de outra pessoa que é incapaz de esclarecer o assunto em questão ou de negar as “acusações” formuladas contra ele.
Alguém que conhecia Chomsky extremamente bem disse, depois de ler a carta de recomendação, que nem sequer pensava que aquilo fosse a escrita de Noam; que podia muito bem terem sido as palavras de outra pessoa. Essa foi a minha primeira reação. Epstein pode ter pedido a um assistente para a redigir para Noam assinar mais tarde. Afinal de contas, a carta – agora a circular nas redes sociais – não tem data, não está escrita em papel timbrado, e nunca foi assinada. O ponto, portanto, é que não sabemos. E porque não sabemos, é irresponsável tirar conclusões definitivas a partir dela.”
Notavelmente, em 2005, Noam Chomsky escreveu a meu favor uma carta de recomendação, uma carta que eu mais tarde vi num arquivo de escritório em Oxford, Reino Unido. Uma pessoa de fora poderia ter tirado a conclusão, a partir dessa carta, de que eu era o melhor amigo e colega de Noam por causa de quão calorosa e detalhada a carta era. Naquela época, no entanto, eu tinha-me encontrado com Noam uma vez por aproximadamente 30 segundos após uma palestra. Caso contrário, o nosso ‘relacionamento’ era baseado inteiramente em mensagens de e-mail. Notavelmente, Noam considerava coisas como críticas de livros, endossos e cartas de recomendação como, na sua maioria, tretas; o tipo de coisa que se escreve quando se é obrigado a dizer algo simpático sobre alguém ou alguma coisa.
“Noam Chomsky era alguém gentil (e brilhante) por natureza. Ele respondia a todas as mensagens de e-mail que recebia sem saber a primeira coisa sobre a pessoa que escrevia, a não ser o que era dito ou implícito na sua mensagem. Ele era invariavelmente justo, paciente e generoso com pessoas de qualquer origem ou filiação política. Seria bom ter mais pessoas assim, não menos. Muitas centenas de indivíduos devem ter ficado agradavelmente surpreendidos ao receber uma resposta diretamente de Noam Chomsky – não do seu secretário – a um e-mail que enviaram, tendo considerado de antemão que talvez nem fosse lido.”
Qualquer um que conhecesse bem Noam sabia que ele recebia literalmente milhares de mensagens de e-mail de completos estranhos, ano após ano e por décadas. Nunca conheci outra pessoa, antes, durante, ou depois dos meus 27 anos de correspondência com Noam Chomsky, que me respondesse sempre que eu lhe escrevia, frequentemente com grande pormenor, em resposta às perguntas e aos assuntos que me preocupavam – e que nunca, em todos aqueles anos, me tratou com condescendência, me fez sentir sem importância ou inferior, ou falou comigo de qualquer outra maneira senão como um igual. Duvido que eu venha a conhecer alguém assim novamente – especialmente da sua estatura – que trate os outros dessa forma, e com tanta consistência. De facto, uma vez, após uma pequena pausa na nossa correspondência no início de 2020, lembrei Noam de algo sobre o qual tínhamos trocado mensagens cerca de 16 anos antes. Na mensagem dele para mim, senti um toque de indignação. É claro que ele se lembrava, escreveu, acrescentando alguns pormenores que eu havia omitido
Aqui eu simplesmente desejo realçar mais uma vez que Noam Chomsky não saberia absolutamente nada sobre o agora infame escândalo de tráfico sexual que acabou por destruir Jeffrey Epstein e a sua companheira, Ghislaine Maxwell. Noam não se interessava por mexericos. Nos quase 30 anos de correspondência que tive com Chomsky, embora ele frequentemente me desse a sua opinião sobre esta ou aquela pessoa e as razões em que baseava a sua opinião, ele não se envolvia em nenhum tipo de mexericos. Ele estava muito mais interessado em factos, em política e justiça social, em linguística e em diversas outras ciências. Se alguém não quisesse discutir ideias e questões, não haveria nada para discutir e qualquer contato que esse alguém tivesse estabelecido por correspondência terminaria.”
Finalmente, cabe aqui mencionar que, quando Noam Chomsky e Jeffrey Epstein se encontraram, Chomsky teria cerca de 88 anos de idade. Na verdade, ele completa 97 anos em 7 de dezembro de 2025. O ponto é simplesmente que linchar publicamente um homem de 88 anos por palavras e ações que podem nem ter sido dele [uma carta de recomendação]— e sem o mínimo contexto verificável — é irresponsável, desrespeitoso e altamente inaceitável em termos de ética profissional.
Espero que este breve ensaio traga alguma clareza à questão do alegado ‘relacionamento’ entre Noam Chomsky e Jeffrey Epstein. Espero também que com este ensaio se evite que outros se envolvam em reflexões especulativas sobre a vida de outra pessoa sem estar na posse dos factos.


